Quem sou eu?

Dia dos pais 020

Nasci em 1963, na cidade de São Paulo. Meus pais eram analfabetos, migrantes do nordeste, em busca de melhores condições de vida. Até completar sete anos, levava uma vida feliz. Corria pelos campos existentes aos arredores da casa e brincava  de pular corda, pique esconde, roda e amarelinha, com meus irmãos e amigos. Não tinha ainda consciência  da triste condição de meus pais que viviam na extrema pobreza, pois apesar de meu pai trabalhar muito, ganhava apenas um salário minimo, insuficiente para cobrir os gastos de uma família tão numerosa.  Foi quando entrei  na escola  que comecei a perceber as diferenças sociais e  sofrer as suas consequências. Não tinha uniformes, sapatos, nem meteriais bonitos como a maioria das crianças da sala. Mesmo assim adorava estudar. Tirava sempre boas notas e raramente faltava ás aulas. Uma das coisas que  me chateava na escola era ter que mentir para a professora que cobrava a presença de minha mãe nas reuniões de pais e mestres. Dizia que ela era muito ocupada nos cuidados da casa e com meus irmãos, mas na verdade sabia que ela não comparecia porque sentia vergonha de dizer que não sabia escrever ,quando era convidada a assinar a lista depresença.  Muitas vezes sentei-me a seu lado para tentar ensiná-la a escrever o nome, mas ela dizia que já era velha e burra demais para aprender.  Na terceira série, passei com a maior nota da classe e ganhei como prêmio da professora um livro que contava a história de um menino que vivia em uma terra em que as crianças nunca cresciam.  Apesar de  achar a história bonita, de ter sido o meu primeiro livro, aquele que despertou em mim o gosto que sinto até hoje pela leitura, pensava cá com meus botões, que não gostaria de viver naquela  terra.  Ao contrário de Peter, tinha pressa em crescer.  Sonhava em me tornar professora, e ajudar muitas pessoas a ler e escrever, para que não ficasse pobres como meu pai, nem “burra” como se dizia minha mãe.

Anos mais tarde, com a morte de um irmão, que não recebera os cuidados necessários a tempo, para ser curado de uma simples desidratação, pude perceber que a gravidade do  analfabetismo ia mais além do simples fato de saber ou não escrever o próprio nome. Mesmo  orientada e alertada por um farmacêutico, sobre a gravidade da doença, minha mãe, insegura que era, por não conhecer a cidade grande, e nem sequer conseguir tomar um  ônibus que a levasse até o hospital mais próximo, resolveu rezar e esperar por meu pai, que quando o socorreu já era tarde demais.  Superado o trauma da perda, continuávamos a vida.  Eu prosseguia com os estudos e agora, já era uma adolescente e continuava sonhando com o magistério. Porém as circunstâncias da vida me levaram á outro rumo.  Aos treze anos me apaixonei, e como o namoro foi proibido por meu pai, fugi de casa, casei-me,   e tive três filhos. Os cuidados com a família passaram a ser minha única ocupação. Não encontrava mais tempo nem sequer para ler um livro.  Ás vezes em conversa com meu esposo falava do meu sonho de retornar a escola, mas a oposição dele era muito grande. Somando este fato á dificuldade de encontrar alguém para cuidar das crianças, e os problemas financeiros que enfrentávamos, fui deixando o sonho de lado. Porém sempre tinha a impressão de que estava faltando algo em minha vida.     Dez anos mais tarde, quando as crianças já estavam crescidas, capazes de cuidarem de si, decidi fazer matrícula em uma escola do bairro para dar prosseguimento aos estudos. Mas no ano seguinte tive que desistir da idéia, quando descobri que estava grávida novamente.   Assim mais seis anos se passaram e apesar de amar minha família, estava ficando cada vez mais infeliz. Foi quando encontrei uma amiga antiga, dos tempos de ginásio, que compartilhava comigo o sonho de ser professora, agora já formada e dando aulas, que percebi o mal que fizera a mim mesma, ao deixar minha vida de lado, para dedicar-me somente á família.   Então, novamente decidi retornar aos estudos e ingressei no CAAM,(Centro de Alfabetização de jovens e Adultos), na Universidade São Judas, para cursar a sétima série do antigo ginasial.  Terminando a oitava série, sai do CAAM e ingressei no Ensino Médio, na Escola Técnica Estadual, Profº Camargo Aranha, que ficava situada atrás da Universidade. Por muitas vezes olhava, pela janela a Universidade, e  me dispersava das aulas sonhando em um dia poder estudar ali.

Na mesma época que ingressei no ensino médio, iniciei também um trabalho com Educação de jovens e adultos na comunidade, que costumava freqüentar. Os alunos eram provenientes do antigo projeto MOVA (movimento de alfabetização), que estava em fase de extinção. A única professora que resistira á falta de incentivos do governo, estava com problemas de saúde e iria abandonar a classe. Como eu ministrava aulas de evangelização e reforço para crianças da comunidade, fui convidada para assumir a classe. Durante  três anos trabalhei com os alunos da comunidade e outros que iam chegando. Fui acumulando conhecimento e descobrindo a melhor forma de ajudá-los. Terminei o ensino médio e como  não tinha ainda condições de entrar na faculdade, resolvi fazer um curso técnico de nutrição, enquanto esperava respostas dos programas do governo, nos quais havia feito inscrição para conseguir uma bolsa de estudo. Faltava um semestre para terminar o curso de nutrição quando ingressei na Universidade São Judas e iniciei o trabalho no CAAM, a mesma escola que freqüentei quando resolvi retornar aos estudos.   Concluí o  curso de pedagogia, com ênfase em coordenação, administração e supervisão escolar em 2007.  Hoje vivo com a filha caçula que agora está com  dezessete anos. Dois dos meus filhos se casaram e me deram cinco netos. A filha do meio foi estudar no exterior , por lá se formou e se casou.  Tenho superando alguns conflitos e me preparo para enfrentar novos desafios buscando sempre o  aprimoramento, tanto seja no  campo pessoal,  cultural, cognitivo ou social. Tenho prestado concursos públicos e enviado alguns currículos para escolas particulares. Enquanto aguardo respostas, iniciei este semestre, um curso de Gestor de Projetos Socias, por ser a área  que pretendo atuar, pois acredito que o conhecimento de nada serve se não for compartilhado e   utilizado  para benefício de outras pessoas

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